Neurodiversidade: Autistas LGBTQIAPN+
Nos últimos anos, o conceito de neurodiversidade tem ganhado destaque em diversas esferas sociais. Ao reconhecer que cérebros diferentes processam informações de maneiras distintas, a neurodiversidade desafia a visão patologizante de condições como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Mas, além disso, há uma questão fundamental que muitas vezes permanece à margem dessas discussões: a interseccionalidade entre neurodiversidade e diversidade sexual e de gênero.
Você sabia que pessoas autistas têm uma probabilidade significativamente maior de se identificar como LGBTQIAPN+ do que a população neurotípica? Pois é. Embora este seja um fato respaldado por pesquisas, a experiência dessas pessoas costuma ser invisibilizada. Neste texto, vamos explorar por que isso acontece, quais são os desafios e, sobretudo, como promover uma sociedade mais inclusiva para autistas LGBTQIAPN+.
Neurodiversidade: um conceito em expansão
Para começar, é essencial entender o que significa neurodiversidade. Criado pela socióloga australiana Judy Singer na década de 1990, o termo propõe que variações neurológicas, como o autismo, TDAH, dislexia e outras, não devem ser encaradas exclusivamente como “transtornos”, mas como parte da diversidade humana.
Portanto, isso muda o foco das intervenções. Em vez de tentar “consertar” o indivíduo, busca-se adaptar ambientes e sistemas para que todas as pessoas possam participar plenamente da vida em sociedade.
Todavia, essa abordagem nem sempre contempla todas as facetas da identidade das pessoas neurodivergentes. Ao negligenciar aspectos como raça, gênero e sexualidade, corre-se o risco de tornar invisíveis as experiências de indivíduos que vivem múltiplas marginalizações.

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A intersecção entre autismo e LGBTQIAPN+
Agora que já discutimos a neurodiversidade, vejamos a sobreposição com a comunidade LGBTQIAPN+.
O que dizem os estudos?
Pesquisas internacionais demonstram que a população autista apresenta taxas mais altas de identificação como LGBTQIAPN+ em comparação com a população geral. Por exemplo:
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Um estudo publicado em 2020 no Journal of Autism and Developmental Disorders revelou que pessoas autistas são de 3 a 9 vezes mais propensas a se identificar como LGBTQIAPN+ do que pessoas neurotípicas.
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Outra pesquisa, realizada no Reino Unido, mostrou que 70% das mulheres autistas relataram alguma forma de diversidade sexual e/ou de gênero.
Portanto, é evidente que estamos diante de um fenômeno que exige atenção e compreensão.
Por que essa correlação acontece?
Embora não haja uma resposta definitiva, algumas hipóteses foram levantadas:
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Pensamento menos normativo: Pessoas autistas, em geral, tendem a questionar normas sociais. Assim, podem ser menos propensas a aderir automaticamente às normas de gênero e sexualidade.
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Autoconhecimento mais profundo: Muitos autistas relatam ter uma forte autoconsciência e buscar um alinhamento autêntico com seus sentimentos internos, o que os leva a explorar identidades de gênero e orientação sexual com mais liberdade.
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Menos pressão para a conformidade: Devido a experiências de exclusão prévias, pessoas autistas podem se sentir menos pressionadas a “se encaixar” nos padrões hegemônicos.
Em contrapartida, isso não significa que o caminho seja fácil. Como veremos adiante, essa intersecção traz uma série de desafios.
Desafios enfrentados por autistas LGBTQIAPN+
Invisibilidade e falta de representatividade
Em primeiro lugar, autistas LGBTQIAPN+ muitas vezes enfrentam falta de representatividade. Tanto nos espaços voltados para a neurodiversidade quanto nos movimentos LGBTQIAPN+, suas experiências são pouco abordadas. Assim, essas pessoas podem sentir-se isoladas, como se precisassem “escolher” entre suas identidades.
Além disso, há um déficit de materiais educativos e profissionais capacitados que compreendam essa interseccionalidade. Por isso, muitas vezes o apoio oferecido não é adequado ou, pior, acaba sendo excludente.
Preconceito duplo (ou múltiplo)
Outro fator importante é o chamado preconceito duplo. Não raramente, autistas LGBTQIAPN+ sofrem discriminação tanto pela neurodivergência quanto pela identidade sexual e/ou de gênero.
Por exemplo, uma pessoa trans autista pode enfrentar barreiras extras no acesso a serviços de saúde, uma vez que profissionais despreparados podem atribuir suas questões de gênero ao “comportamento autista”, invalidando sua identidade. Consequentemente, isso gera sofrimento psíquico e impacta diretamente no bem-estar.
Dificuldades no acesso a serviços
Além disso, o acesso a serviços de saúde e apoio social costuma ser complexo. Tanto nos serviços especializados em autismo quanto nos voltados para pessoas LGBTQIAPN+, nem sempre há uma compreensão adequada da interseção dessas identidades.
Por exemplo, um grupo de apoio LGBTQIAPN+ pode não estar preparado para lidar com as especificidades sensoriais e de comunicação de pessoas autistas. Inversamente, clínicas especializadas em TEA podem ter um viés cis-heteronormativo, limitando o espaço para que essas pessoas expressem livremente sua sexualidade e identidade de gênero.

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Caminhos para uma inclusão real
Apesar dos desafios, há formas de promover um ambiente mais acolhedor e inclusivo para autistas LGBTQIAPN+. A seguir, apresentamos algumas diretrizes importantes.
1. Educação e capacitação
Em primeiro lugar, é fundamental investir em educação e capacitação. Profissionais de saúde, educadores, assistentes sociais e todos os que atuam com essas populações precisam ser treinados para entender as especificidades de cada grupo e, mais importante, como essas identidades se cruzam.
Além disso, incluir conteúdos sobre neurodiversidade em treinamentos LGBTQIAPN+ — e vice-versa — é uma estratégia poderosa para construir pontes e reduzir preconceitos.
2. Promoção da representatividade
Promover a representatividade também é essencial. Espaços de fala e visibilidade para autistas LGBTQIAPN+ devem ser garantidos, seja em eventos, mídias ou nas lideranças das organizações.
Afinal, quando vemos pessoas semelhantes a nós ocupando posições de destaque, nossa sensação de pertencimento aumenta. Por isso, valorizar essas vozes é um passo fundamental.
3. Adaptação de ambientes e práticas
Outra ação importante é a adaptação de ambientes. Muitas práticas adotadas em espaços LGBTQIAPN+ ou neurodivergentes não consideram as necessidades sensoriais de pessoas autistas.
Assim, criar espaços mais acessíveis — com iluminação adequada, controle de ruídos, comunicação alternativa — é um passo que beneficia a todos, mas que é particularmente relevante para essa interseção.
4. Fomento à pesquisa interseccional
Por fim, é urgente fomentar mais pesquisas sobre a experiência de autistas LGBTQIAPN+. Embora os estudos estejam crescendo, ainda há lacunas significativas no entendimento desse público.
Além disso, é crucial que essas pesquisas sejam conduzidas com respeito e protagonismo das próprias pessoas autistas LGBTQIAPN+, e não apenas por especialistas neurotípicos.

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Conclusão
A intersecção entre neurodiversidade e diversidade sexual e de gênero é um campo rico e ainda pouco explorado. À medida que avançamos em direção a uma sociedade mais inclusiva, não podemos deixar de lado as experiências complexas e singulares das pessoas autistas LGBTQIAPN+.
Embora os desafios sejam numerosos, há também inúmeras oportunidades para promover um mundo mais justo. Com educação, representatividade, adaptação e pesquisa, podemos criar espaços onde todas as identidades sejam não apenas aceitas, mas celebradas.
Portanto, que possamos sempre lembrar: a diversidade é uma força — e a interseccionalidade é um convite à empatia e à transformação.
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Referências:
1- Autismo e Realidade – acesso em 09/06/2025
2- Nohssomos – acesso em 09/06/2025
3- Lgbtqspacy – acesso em 09/06/2025
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